Segundo os autores MACEDO, PETTY e PASSOS vivemos numa época em que comunicar-se é condição de sobrevivência. Dominar linguagens e conhecer diferentes formas de trocar informações são grandes desafios para a sociedade e, em especial, para a educação. Há muitas formas de comunicação, sendo que destacamos as linguagens gestual, visual, gráfica (desenho ou escrita) e verbal, apresentadas em um contexto de situações-problema com jogos. De acordo com a nossa prática, temos observado que, em geral, não é muito comum considerar a comunicação além da leitura, escrita e outras representações, tão enfatizadas nas atividades escolares.
Há uma articulação significativa entre comunicação e avaliação. Ao jogar, uma criança dá muitas informações e comunica, através da ação, sua forma de pensar, desde que o observador reconheça nas ações ou nos procedimentos os indícios que está buscando para realizar sua avaliação. Em outras palavras, deve ser capaz de transformar as informações, sempre presentes, em dados significativos.
O brincar é fundamental para o nosso desenvolvimento. É a principal atividade das crianças quando não estão dedicadas ás suas necessidades de sobrevivência (repouso, alimentação.etc.). Todas as crianças brincam se não estão cansadas, doentes ou impedidas. Brincar é envolvente, interessante e informativo.Envolvente porque coloca a criança em um contexto de interação em que suas atividades físicas e fantasiosas, bem como os objetos que servem de projeção ou suporte delas, fazem parte de um mesmo contínuo topológico. Interessante porque canaliza, orienta, organiza as energias da criança, dando-lhes forma de atividade ou ocupação. Informativo porque, nesse contexto, ela pode aprender sobre as características dos objetos, os conteúdos pensados ou imaginados. O brincar é agradável por si mesmo, aqui e agora.Na perspectiva da criança, brinca-se pelo prazer de brincar, e não porque suas conseqüências sejam eventualmente positivas ou preparadoras de alguma outra coisa.
O brincar é sério, uma vez que supõe atenção e concentração. Atenção no sentido de que envolve muitos aspectos inter-relacionados, e concentração no sentido de que requer um foco, mesmo que fugidio, para motivar as brincadeiras.
O texto de regras e com um objetivo predefinido. A brincadeira é o que será do jogo, é a antecipação, é sua condição primordial. A brincadeira é uma necessidade da criança; o jogo, uma de suas possibilidades à medida que nos tornamos mais velhos. Quem brinca sobreviveu (simbolicamente); quem joga jurou(regras, propósitos, responsabilidades, comparações).
Os autores comentam que o Tangram é um jogo milenar, de origem chinesa e conhecida mundialmente. De acordo com Joost Elffers(1992), não há referências exatas sobre sua origem ou seu inventor. Sabe-se que era o jogo preferido de Napoleão em seu exílio e de Lewis Carrol, autor de Alice no país das maravilhas.
O Tangram é considerado como parte da categoria quebra-cabeças, mas convém analisar algumas diferenças. Os quebra-cabeças tradicionalmente conhecidos são compostos por várias partes que, quando coordenadas, possibilitam a construção de uma figura, sendo que cada uma das peças ocupa sempre a mesma posição e tem, portanto, um lugar definido e uma relação de vizinhança única entre si. Já o Tangram difere desses aspectos quanto à estrutura, pois possui um número reduzido de peças e um lugar variável para a colocação de cada uma delas, dependendo da figura a ser construída. Nesse jogo, são muitas as possibilidades de disposição espacial de uma peça, especialmente se forem observadas as diferentes combinações em relação às outras. Nas palavras de Albuquerque(s.d., p. 19):
Não existe uma chave para decifrar os enigmas propostos. Cada um deles é um novo problema, como se tivesse sido inventado por uma esfinge diferente. Isto é muito bom: elimina qualquer possibilidade de camaradagem com o desafiante.Cada problema colocado tem uma solução própria, de forma que se tona muito difícil decorar qualquer uma delas. Além disso, existe, em muitos casos, mais de uma resposta para o mesmo Tangram.
Em síntese, quem se aventura a jogar Tangram logo aprende que ter boa memória e conhecer as peças são aspectos insuficientes para construir as figuras com sucesso . É essencial explorar a multiplicidade das relações possíveis de se estabelecer ente as peças, agindo com persistência e concentração. A combinação simultânea desses fatores é que dá ao jogador condições de resolver os diferentes propostos pelo jogo.
Existem muitas explicações e lendas sobre a origem do Tangram, desde histórias relativas à cultura do povo chinês até histórias semelhantes a contos de fadas.
LENDA 1:”Há muito tempo, na China, um mestre vivia com seu aprendiz, ensinando-lhe muitas coisas sobre a vida.Um dia. O mestre disse ao rapaz que já estava preparado para sair pelo mundo e fazer suas próprias descobertas. Para registrar tudo o que aprendesse ao longo de sua viagem, deveria levar consigo um maço de folhas de arroz, um pedaço de carvão e uma cerâmica quadrada. Sem saber muito bem o que fazer com aqueles objetos, o aprendiz partiu para sua caminhada. Um dia, deixou a cerâmica cair e esta se partiu em sete pedaços. Tentando remontá-la, percebeu que com apenas aqueles cacos podia formar muitas figuras diferentes e foi assim que conseguiu cumprir sua missão de registrar suas descobertas”.
LENDA 2:” Era uma vez, uma linda princesa que tinha um espelho quadrado. Ela adorava esse espelho e olhava-se nele todos os dias. Certo dia, ele caiu no chão e quebrou-se em sete pedaços. A princesa ficou muito triste, mas ninguém no castelo conseguia consertá-lo. Seu pai, o rei, lançou um desafio: quem conseguisse montar o espelho igual ao originário poderia casar-se com sua filha. Então, um jovem viajante aceitou o desafio e foi capaz de reconstruir o espelho para a princesa. Assim, casaram-se e viveram felizes”.
Vejamos alguns tipos de Tangram:
TRADICIONAL
Ele possui sete peças: 1 quadrado, 2 triângulos pequenos, 1 triângulo médio, 2 triângulos grandes e 1 paralelogramo.
OVAL
A principal característica deste tangram é o fato de possuir bodas curvas o que permite explorar, além das linhas retas, o uso de linhas concordantes na construção das figuras. As suas peças são obtidas a partir da divisão de um óvulo.
Ele é constituído por: 2 triângulos isósceles curvos, 2 triângulos retângulos curvos, 2 triângulos retângulos grandes e 1 triângulo pequeno.
CORAÇÃO PARTIDO
Este Tangram é um quebra-cabeça formado por 8 ou 9 peças. É constituído por 4 ou 5 setores circulares, 1 quadrado, 1 trapézio retangular, 1 paralelogramo e 1 triângulo retângulo.
Os autores concluem que um recorte bastante adequado que pode ser feito para analisar as implicações do uso do Tangram é o aspecto afetivo. Observar crianças- e adultos- jogando pode fornecer ao profissional importantes informações sobre o impacto do jogar no que se refere ao comportamento e às atitudes. Alegria, medo, perseverança, raiva, entusiasmo, ansiedade, entre outros, comumente aparecem como expressão de sentimentos decorrentes do contato com o jogo. Segundo Macedo (1992, p. 138), do ponto de vista afetivo, os jogos de regras também abarcam um universo relacional que supõe muitos desafios, tais como:
... competir com um adversário ou vencer um objetivo; regular o ciúme, a inveja, a frustração; adiar o prazer imediato, já que urge cuidar dos meios que nos conduzem a ele; submeter-se a uma experiência de relação objetal, de natureza complementar, já que o outro faz parte da situação; subordinar-se a regras que limitam nossa conduta; enfim, entregar-se a um outro, abrindo-se para o imprevisível disso, para nosso terror ou êxtase.
Assim, podemos ter uma idéia, ainda que resumidamente, da diversidade de ações de cunho emocional desencadeadas como decorrência do jogar. Devemos estar atentos para as eventuais manifestações por parte das crianças, procurando lidar com isso da forma mais adequada, de acordo com os objetivos da proposta, a qual é diferente nos contextos clínico e escolar. Atividades com jogos como o Tangram podem criar um contexto interessante para conhecer os alunos, especialmente porque favorecem a expressão de pensamento e sentimentos, bem como possibilitam aprendizagens significativas.
Os autores concluem que é fundamental querer conhecer os alunos e criar situações que possam convidá-los a crescer, a expressar seus sentimentos em relação ao conhecimento, tanto no que se refere às dificuldades quanto aos interesses. Em uma palavra, consideramos de grande valor o trabalho do profissional que atua integrando- dentro do possível- os aspectos afetivos e cognitivos presentes nas diversas situações escolares. Segundo Piaget(1928, p. 26):
...uma criança não saberia dizer tudo a seu professor, uma vez que ela tem necessidade de ser bem vista, de passar por bom aluno, em suma, de pensar no seu futuro escolar. Ela procura então, antes de tudo, não dizer besteiras e agir de acordo com as saudáveis tradições da classe.
Um professor experiente e observador é capaz de antecipar sentimentos, imaginar dificuldades ou supor dúvidas que serão geradas no contexto de sala de aula. Ao dialogar com seus alunos, abrirá um espaço para o surgimento de perguntas que, ao serem solucionadas, colaboram para aliviar a tensão e diminuir os medos. Em geral, essa postura por parte do professor não custa tanto e gera conseqüências bem mais profundas do que se imagina! O trabalho com o Tangram traz à tona esses aspectos, favorecendo a comunicação e a abrangência de várias áreas no âmbito dos conteúdos escolares.
REFERÊNCIA:
*Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar / Lino de Macedo, Ana Lúcia Sicoli Petty e Norimar Christe Passos- Porto Alegre: Artmed, 2005